domingo, 6 de maio de 2007

Um retalho de vida

Não obstante Dezembro ser um mês de Inverno, o sol marcava a sua presença, tornando o dia acolhedor, o que, aliás, é frequente numa ilha que nasceu sob a protecção da natureza, em que os invernos são suaves e os verões brandos, como se as estações intercalares servissem apenas para temperar o clima.
Já decorria a azáfama dos preparativos para o Natal que se aproximava. Ela continuava a trabalhar, prolongando o período da manhã, enquanto esperava companhia para almoçar.
O toque suave na porta fê-la levantar-se da secretária, deixando para trás anos a fio de tranquila apatia sentimental.
Pressentindo que a mudança lhe seria penosa estrebuchou, tentando resistir-lhe, mas...

Chegaste como a aurora, pela manhã,
Pousaste levemente, de mansinho,
Com a leveza e doçura que te caracterizam.
Não pediste licença, entraste,
Qual alcova nupcial pronta a receber-te,
E de forma indelével deixaste a tua marca.
Com a mesma serenidade com que apareceste
Foste-te esgueirando paulatinamente,
Sem te aperceberes que os campos
Outrora áridos e agrestes,
Eram agora planícies ardentes, sedentas de ternura,
Espezinhadas por um sentimento amordaçado.
O sol que a aurora prometera não chegou,
Em seu lugar veio a tempestade angustiante,
A ansiedade, o vazio do afastamento,
A fazerem jus ao Dezembro frio e chuvoso
Que te trouxe de outra estação, porventura mais bonita!

Do dicionário para o seu coração, saltaram alguns vocábulos que nunca mais a abandonaram: "amor”, “entrega”, “ausência”, “sofrimento”...
Os seus dias passaram a ser vividos em ansiedade, como se os ponteiros do relógio tivessem trocado de lugar e o dos minutos se deslocasse à velocidade do das horas, tal era a expectativa.
Mas, a vida nas suas voltas, por vezes, devolve-nos às origens, recolhe os nossos cacos e cola-os, sabendo que, por mais perfeito que seja o trabalho, as cicatrizes não se apagarão nunca.
Entretanto, noutros locais, noutras portas, o mesmo toque suave continuará a abrir outros corações que ficarão desarrumados ou não, sendo certo que para se estar bem, afinal, só é preciso ter da vida um sentido prático!

Um comentário:

Dorina disse...

De mansinho passei por cá e deixo um beijinho para ti.