segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

"Sem nome"

"Uma lágrima
Um sorriso
Um pássaro
Que empresta as asas
Um pincel de sonhos
Uma tela livre
O poema, poente, madrugada
Como uma vela
Iluminando o tempo
O amor sempre miragem
Sempre presente
A busca do objecto
E da imagem
O voo silencioso e calmo
Desenhando a vida
Com traços de juventude

Na água escreverei
O teu olhar
E farei germinar
As sementes coloridas
Que um dia pintaste
Sem saber... "

Luísa, in Flores aos meus amigos

Obrigada, Luísa, por colocar a sua sensibilidade ao serviço da Amizade!

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Um lampejo de vida passou por aqui...

"Carpe diem

Confias no incerto amanhã? Entregas
às sombras do acaso a resposta inadiável?
Aceitas que a diurna inquietação da alma
substitua o riso claro de um corpo
que te exige o prazer? Fogem-te, por entre os dedos,
os instantes; e nos lábios dessa que amaste
morre um fim de frase, deixando a dúvida
definitiva. Um nome inútil persegue a tua memória,
para que o roubes ao sono dos sentidos. Porém,
nenhum rosto lhe dá a forma que desejarias;
e abraças a própria figura do vazio. Então,
por que esperas para sair ao encontro da vida,
do sopro quente da primavera, das margens
visíveis do humano? "Não", dizes, "nada me obrigará
à renúncia de mim próprio --- nem esse olhar
que me oferece o leito profundo da sua imagem!"
Louco, ignora que o destino, por vezes,
se confunde com a brevidade do verso."

Nuno Júdice

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Hoje, as Flores são para si, Luísa!...

"Das tuas palavras
Sopra um vento calmo
A própria voz da espera
No espanto do meu olhar
Quantas vezes te perdi
Tentando encontro
Quantas vezes te esperei
Tentando sonho
Gosto de te encontrar
Por acaso
No meio das minhas horas
Nos meus poemas
Conto desejos de ter
Coisa nenhuma
Apenas tu...
Por vezes deito fora
O barulho dos teus passos
Nos meus rascunhos

Dizemos tantas vezes adeus
Por quase nada
E tão poucas palavras
pelo sentir"

Luísa, in Flores aos meus amigos

... E um beijinho que pretende ser prenúncio de venturas, para uma vida que desejo longa!

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Quando a emoção ganha cor...

"São as palavras por dizer
Que me permitem sonhar
Pinto em telas transparentes
As imagens por pintar
Com o desejo de sair

Sou deus da minha sina
Este tempo sem destino
Sou deus da minha alma
Fardo pesado, vazio

Quero calma, quero esperança
Quero ser fácil sonhar
Viajo nesta verdade
Que me liberta e me amarra
Às sombras do meu silêncio

Murmuro palavras
Que não posso gritar
E cresce dentro de mim
Esta noite sem estrelas
Prenúncio de temporal

Preciso das tuas mãos
No meu desejo
Preciso do teu corpo
Na minha alma
Preciso do teu beijo
Na minha angústia

Percorro devagar o meu passado
E o aroma das coisas calmas
Invade-me num instante eterno
Eu sou daqui,
Deste espaço, onde a manhã se afoga
No verde, no mar, no riso das crianças

Talvez te continue a encontrar
Como ilha no meu sonho
Talvez te continue a abraçar
Com braços de madrugada
Deixa-me voar ao desencontro
Da tristeza"

Luísa, in Flores aos meus Amigos

... A verdadeira Amizade põe-nos o coração sob escuta.

domingo, 7 de outubro de 2007

Mudanças...

Tendo sido desafiada a variar um pouco nos temas, aproveitei um que tenho entre mãos, para sobre ele meditar. Deixo aqui a minha reflexão.
Foi-me pedido:

Escolha três factos da actualidade portuguesa que lhe tenham chamado a atenção (justifique a sua escolha).
Em seguida, faça um brevíssimo comentário pessoal sobre um desses acontecimentos.

Ei-los:

- O caso da pedofilia na Casa Pia. Por tudo o que este caso tem de chocante.

- O caso “Apito dourado”, a corrupção no futebol, e tudo o que à volta dela gravita. Quão longe o homem é capaz de ir na perversão.

- O caso Maddie Macin. Pela forma diferente como este caso foi tratado pelas autoridades portuguesas, em comparação com outros, inúmeros casos de crianças desaparecidas neste País.

Escolho este último para o meu breve comentário:

Quando ouço falar de crianças desaparecidas, imediata e mentalmente visualizo o rostinho do Rui Pedro e ocorre-me a face da sua mãe, Filomena, desfigurada pela dor, exaurida de tanto implorar ajuda para encontrar o seu menino muito amado.
E no caso da Maddie? Igualmente amada, julgo que ninguém duvida, mas quão diferente foi a atitude das autoridades...

Ainda no âmbito do referido desafio, e na sequência de um convite para comentar um artigo publicado na imprensa nacional, da autoria de José Pacheco Pereira, em que este, por sua vez, comenta uma obra, cujo autor, numa visão "apocalíptica", defende que a nossa cultura está ameaçada de morte, pelas novas tecnologias, aqui fica o meu comentário e o meu pensamento sobre este assunto.

A partir da leitura da crónica de José Pacheco Pereira* responda:

a) Qual a tese defendida por Andrew Keen?
b) Apresente, de forma resumida, os principais argumentos para justificar a referida tese.
c) Sintetize os principais argumentos de José Pacheco Pereira contra a perspectiva “apocalíptica”.
d) Concorda com os referidos argumentos? (justifique).

Ocorre-me dizer o seguinte:

a) Andrew Keen, defende, numa visão catastrófica, que a nossa cultura está ameaçada de morte, pelo facto de, com a facilidade que todos conhecemos, usando as novas tecnologias, qualquer pessoa poder, livremente, sem qualquer controlo, espalhar pelo planeta as suas ideias e os seus pensamentos, correctos ou errados, próprios ou abusivamente copiados e apropriados.

b) O principal é, sem dúvida a “blogosfera”, onde, sem nenhum pudor, são despejadas toneladas de escritos sem qualquer preocupação de qualidade, de verdade ou de saber, muitas vezes, plagiados, outras, ainda, ofensivos e com vocabulários grosseiros e obscenos.
Outro, é o exemplo que o próprio Pacheco Pereira deu, a Wikipédia, enciclopédia que vai crescendo com o contributo livre de todos os que lá quiserem deixar a sua assinatura, tenham ou não conhecimentos para o fazer.

c) Segundo Pacheco Pereira, as novas tecnologias não são, necessariamente, o fim da nossa cultura, embora possam causar-lhe sérios danos. Acrescenta ainda que, elas permitiram que milhões de pessoas tivessem acesso a consumos e pudessem expressar-se descontraidamente, divulgando as suas opiniões, com uma facilidade impensável há alguns anos atrás. Refere, também, a tendência para, ciclicamente, aparecerem premonições apocalípticas, que, felizmente, não chegam a concretiza-se, não estando, no entanto, tão seguro quanto a esta.

d) Sim. Sendo, na verdade, preocupante que se estejam a perder valores que constituíam o capital de um povo, é, também, sabido que todas as mudanças envolvem perturbações, até que a normalidade regresse. No entanto, mesmo sabendo que podem ser muito prejudiciais quando mal usadas, não posso deixar de me sentir pequenina, ínfima mesmo, face à grandeza e ao alcance das novas tecnologias, das quais destaco as mais recentes, o telemóvel e a internet.

* Publicada no Público, sábado 8 de Setembro de 2007, sob o título: "Está a Internet a matar a nossa cultura?"

sábado, 29 de setembro de 2007

Se pudéssemos...

"...
Frémito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,

Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!

E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que me não amas...

E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas..."

Florbela Espanca

... Ah, se pudéssemos ouvir o olhar, escutar os pensamentos, decifrar o sorriso!...

sábado, 22 de setembro de 2007

O outro lado de cada um de nós

Com a devida vénia, aqui fica a minha penitência para o caso desta reflexão poder vir a agitar consciências.
Imaginemos a vida dividida em compartimentos. Dois.
Um, virado para o exterior, com janelas rasgadas e grandes portões escancarados, por onde entra o sol e circula o ar. Amplo, o suficiente para nele caberem recepções, festas, espectáculos. Com painéis enormes, onde se inscrevem os feitos que se vão acumulando, e grandes prateleiras onde se expõem os troféus conquistados.
Neste compartimento, vêem-se sorrisos, simpatia, boas maneiras, ensaiados ao som da orquestra das convenções. Aqui, rendem-se homenagens, nem sempre merecidas, e faz-se o culto ao prazer imediato. Retarda-se o tempo, recorrendo aos avanços da ciência e da técnica, perfuma-se o ar, experimenta-se o êxtase.
No outro compartimento, quiçá, mais sombrio e insalubre, aproveita-se as migalhas que o tempo deixa, para gerir contrariedades, ocultar lembranças que fazem doer, secar lágrimas insurrectas. Neste compartimento, contabiliza-se as derrotas, soma-se as perdas, apura-se amarguras.
A abertura estreita, fria e severa, virada para o poente, convida à reflexão: Valerá a pena tantos atropelos? Não me parece!
Se tivermos como certo que os grandes valores da vida acontecem naturalmente, então, para quê tanta competição?
O amor não se compra! O amor acontece! A verdadeira amizade nasce! A paz não está à venda! A saúde não tem preço!
... E como ficamos impotentes quando vemos partir os que nos são queridos!
... Se em mais compartimentos dividíssemos a vida, seguramente, encontraríamos mais razões para reflectir!

"...
Se ao menos soubesses tudo o que eu não disse
ou se ao menos me desses as mãos como quem beija
e não partisses, assim, empurrando o vento
com o coração aflito, sufocado de segredos;
se ao menos percebesses que eram nossos
todos os bancos de todos os jardins;
se ao menos guardasses nos teus gestos essa bandeira de lirismo
que ambos empunhamos na cidade clandestina
Quando as manhas cheiravam a óleo e a flores
e o inverno espreitava ainda nas esquinas como uma criança tremendo;
se ao menos tivesses levado as minhas mãos para tocar os teus dedos
para guardar o teu corpo;
se ao menos tivesses quebrado o riso frio dos espelhos
onde o teu rosto se esconde no meu rosto
e a minha boca lembra a tua despedida,
talvez que, hoje, meu amor, eu pudesse esquecer
essa cor perdida nos teus olhos."

Joaquim Pessoa

domingo, 9 de setembro de 2007

Ao querido Amigo que nunca esquecerei

Chico, querido Amiguinho,
- em vez de palavras brotam lágrimas -
como é que isto te foi acontecer?...
Como é que isto nos aconteceu?!...
Até sempre, querido Amiguinho!

"A voz de Deus

Ó rosas que baixais as castas frontes
Quando, à tarde, vos beija o sol poente,
Dizei-me que murmúrios vos segreda
O sol que vos beija docemente?…

Ó luar cristalino e abençoado
Por que entristeces tu em noites belas
Quando chora baixinho o rouxinol
Um choro só ouvido pelas estrelas?…

Mistério das coisas! Em tudo existe
Um coração que sente e que palpita
Desde o sol rubro até à urze triste!

Ó mistério das coisas! Voz de Deus
Em tudo eternamente sê bendita
Na terra imensa assim como nos céus!"

Florbela Espanca

terça-feira, 28 de agosto de 2007

O que é a felicidade?

Pergunta de resposta difícil, esta! O que é a felicidade?... É possível defini-la? Hum!... Acho que não... Tenho a certeza que não!
Tenho da felicidade um conceito tão subjectivo que sou tentada a acreditar que não existem, em toda a humanidade, duas pessoas que tenham, exactamente, a mesma concepção deste sentimento.
Para mim? Bem, para mim a felicidade não é, definitivamente, uma conta D.O. com muitos grupos de três zeros à direita de um número natural.
Não é ser princesa e viver num castelo rodeada de aias preocupadas em satisfazer-me até ao mais pequeno capricho.
Felicidade, para mim, não é ter um avião particular à minha disposição que me faça deslocar livremente pelo mundo.
Não é ter uma limusina, não são festas, viagens.
Não é o sentido da posse, do luxo e da ostentação que me faz feliz.
Não, não é!
Felicidade para mim, é, sem dúvida, algo que não é vendável e que nada tem a ver com o mundo consumista em que vivo.
Felicidade é o sítio onde me sinto, não onde me colocam.
É a ternura do teu sorriso, do teu e do teu, mais o teu. É o calor do teu olhar que me aquece a alma. São os breves, mas plenos, momentos, após intermináveis períodos de ausência, em que o meu coração exulta de alegria por voltar a ter-te. É ouvir a tua voz doce deslizar-me pelos ouvidos como água cristalina que sacia a minha sede e dilui a saudade.
É isso... Para mim, a felicidade é isso...

"Nem os
dias longos me separam da tua imagem.
Abro-a no espelho de um céu monótono, ou
deixo que a tarde a prolongue no tédio dos
horizontes. O perfil cinzento da montanha,
para norte, e a linha azul do mar, a sul,
dão-lhe a moldura cujo centro se esvazia
quando, ao dizer o teu nome, a realidade do
som apaga a ilusão de um rosto. Então, desejo
o silêncio para que dele possas renascer,
sombra, e dessa presença possa abstrair a
tua memória."

Nuno Júdice

domingo, 12 de agosto de 2007

A sedução inconsequente

Longe de pretender roçar, sequer, este tema na sua vertente científica, - isso é matéria reservada aos profissionais que terão, seguramente, muito para dizer - permito-me, no entanto, fazer uma pequena abordagem à sua natureza prática.
A sedução é um jogo que faz parte do processo de conquista, arrebatadora magia que abre a porta ao amor. É suposto ser um jogo limpo, de regras transparentes e contornos bem definidos, porém, não raras vezes, é pervertido, transformado num capricho de objectivos imediatos, desafiando todas as convenções e regras de conduta. Enquanto jogo limpo, não há vencido nem vencedor, ganham os dois, mas a inobservância de regras transforma o protagonista num vencedor antecipado, embora sem mérito nem glória.
Muitas vezes, o sedutor perverso tem, ele próprio, necessidades ocultas por preencher e, mergulhado no mais puro egoísmo, faz por esquecer os perigos da sua inconsequência. Finge ignorar o sofrimento que causa e transforma a sedução num sentimento falso e perigoso, numa manobra de coquetismo de resultados imprevisíveis. Seduz pelo prazer de se sentir amado, para suprir as suas próprias lacunas de afecto ou, simplesmente, por presunção. Aposta tudo naquilo que é a excelência da sedução, o olhar e o sorriso, pois sabe que estes dois trunfos são determinantes.
São incomensuráveis os danos causados por uma sedução elaborada e inconsequente. Não estaremos muito longe da verdade se a compararmos a um gás letal, ambos matam, um de uma forma outro doutra, e são igualmente silenciosos.
Ao perder o controlo da situação, o sedutor perverso põe-se em bicos de pés ou acobarda-se, cria distância, deixa cair a cortina com que se protege, até a próxima acção.
O que o sedutor não sabe é que amar é sempre uma bênção, mesmo em circunstâncias adversas e que, apesar de pervertida e do sofrimento que causa, a sedução desencadeia no seduzido uma explosão de amor que o sedutor jamais experimentará.
Ser sedutor inconsequente não é característica com que se possa rotular um ou outro género humano, há-os em abundância nos dois géneros, não obstante, em jeito de solidariedade feminina, apetece-me citar um pequeno excerto duma canção muito conhecida que, no caso, a vítima é, ao que tudo indica, uma mulher.

"
You don't even know the meaning of the words I'm sorry
You said you would love me until you die
As far as I know you're still alive
Baby
You don't even know the meaning of the words I'm sorry
I'm starting to believe it should be illigal to deceive a woman's heart"

Shakira

sábado, 4 de agosto de 2007

Encontros e desencontros

No labirinto da vida inevitavelmente acontecem encontros e desencontros. Antagonismo perfeito que leva os corações a viajarem entre a alegria e a tristeza, bastando, para o efeito, um inocente chegar ou partir.
Ilha, sinónimo de nostalgia, de idas e regressos, que se vão entrelaçando na nossa existência e desenhando nos nossos rostos contornos de sorrisos breves, a adivinharem a próxima chegada; que nos cavam sulcos na face, por onde as lágrimas fazem caminho, na hora em que os lábios se cerram e se recusam a gemer o doloroso adeus.
Em apoteose, os corações vestem galas para a festa do regresso, saboreiam as delícias de cada encontro, que é único porque não se repete. Amam por todo o tempo que aconteceu a separação e pelo que voltará a acontecer. Tentam exaurir a alma do sofrimento que a entope, sonham com uma sinfonia de beijos, com sabor a mel e perfume de flores.
Partida, palavra que dói, que marca a nossa existência com sinal negativo, que antecipa o cair da noite no nosso coração, que nos ensina o verdadeiro significado de saudade, ainda que o não saibamos definir.
Cedo aprendemos a conviver com este oscilar de emoções, sendo que, à medida que a idade avança, vão-se somando mais partidas que chegadas.
Este mar imenso que nos rodeia, chão feito de água, que empresta o seu azul ao céu infinito, onde as gaivotas se passeiam mesclando as cores do arco-íris, leva para longe da nossa vista os que mais amamos, sem assumir connosco o compromisso de os trazer de volta.

"Ausência

Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua."

Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Uma flor para ti

A ti, que és vida, és alma, és sentimento... Estou contigo. Sinto o bater do teu coração, ouço o teu respirar, ilumina-me o teu olhar, inunda-me o teu sorriso. Estás feliz, embora com a contenção habitual.
Do cálice da vida solta-se um brinde a augurar o prolongamento do milagre que é viver.
Numa breve prece rogo à protecção divina que nunca se desvie do teu percurso. - Sim, eu sei!... Pensamento positivo!
O voo de uma gaivota desenha no céu braçados de rosas vermelhas, donde se desprendem pétalas perfumadas que vão cobrindo o teu chão, palco onde celebras a festa da vida. Eu também te trago uma flor, aceita, é para ti, com o carinho de sempre!

"...
A Flor do Sonho, alvíssima, divina,
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.

Pende em meu seio a haste branda e fina
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim!...
Milagre... fantasia... ou, talvez, sina...

Ó Flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!...

Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minh’alma
E nunca, nunca mais eu me entendi.."

Florbela Espanca

domingo, 29 de julho de 2007

Porto seguro

Ouve-se o ranger das amarras no ancoradouro. Foram-se esfiapando, aos poucos, e agora ameaçam quebrar-se.
Numa dança frenética a embarcação vai gemendo, ao ritmo das dores que a fazem adivinhar o seu fim. É urgente segurá-la, desviá-la do rochedo, poupá-la ao trágico destino que a tempestade lhe reserva.
Não é possível parar a tempestade, mas, ainda assim, é possível salvar a embarcação. Deslocá-la para lugar seguro, talvez outro porto de abrigo.
A mudança será penosa. Será necessário reunir todas as forças disponíveis, numa sinergia entre o querer e o poder. Não é importante perspectivar quanto tempo levará, importante é que a mudança se faça.
Urge caminhar em direcção à bonança, voltar a estar em porto seguro. Ter outra vez vontade de sorrir para a linha do horizonte, dançar com o suave balançar das ondas, deixar que a brisa lhe acaricie as velas, aconchegar-se tranquilamente aos mornos raios de sol.
E, como nada acontece por acaso, quem sabe não ganhará nova vida nos braços do ancoradouro que se estenderam para a salvar do naufrágio.

"...
Margens inertes
abrem os seus braços
Um grande barco no silêncio parte.
...”
Sophia de Mello Breyner Andresen

sábado, 21 de julho de 2007

Vidas...

Multidões anónimas, empurrando-se para o convencionalmente correcto, como se todos juntos formassem o conjunto de peças de uma máquina que se chama "mundo", que, devidamente encaixadas, só têm que cumprir a missão a que se destinam, sob pena de comprometerem o correcto desempenho da máquina.
Vozes que se cruzam, que nos trespassam, indiferentes ao nosso sentir, e que não deixam cá dentro o mais leve vestígio da sua passagem pelo nosso mundo interior.
Seres que com gestos mecânicos vão cumprindo a missão de viver.
A uma velocidade estonteante, - não vá esgotar-se no mercado! - vão arrecadando poder, fortuna, influências.
Entretanto, indiferente a este burburinho, o eu dos desenquadrados desta realidade, compromete-se com a amizade, com o amor, com a solidariedade, com a comunhão de valores. Deixa que as emoções voem livremente em busca da essência da vida, da partilha de sentimentos. Sabe que a felicidade é uma conquista feita de grandes valores e pequenos momentos, e recusa-se a fingir que acredita que esta pode ser adquirida em doses, maiores ou menores conforme as posses do adquirente; sabe, também, que sem amor nunca será uma pessoa completa.
Contudo, está consciente que este caminho tem muito mais escolhos e é, muitas vezes, regado com lágrimas. Sabe que as perdas não se quantificam, qualificam-se porque são bocados arrancados ao seu ser, difíceis, senão impossíveis, de repor.
Ainda assim, mesmo sabendo que encontrará espinhos, não desiste de procurar as rosas.
.../...

“Imagine there's no heaven,
It's easy if you try,
No hell below us,
Above us only sky,
Imagine all the people
Living for today...

Imagine there's no countries,
It isnt hard to do,
Nothing to kill or die for,
No religion too,
Imagine all the people
Living life in peace...

Imagine no possessions,
I wonder if you can,
No need for greed or hunger,
A brotherhood of men,
Imagine all the people
Sharing all the world...

You may say I'm a dreamer,
But Im not the only one,
I hope some day you'll join us,
And the world will live as one.”

Imagine, John Lennon

domingo, 15 de julho de 2007

No silêncio da noite

É no silêncio da noite que as almas se confessam,
Que as verdades gritam mais alto,
Que o abstracto ganha nome.

É no silêncio da noite que se conjectura,
Que se odeia,
Que se mata.

É no silêncio da noite que se ama,
Que se entrega,
Que se constrói uma nova vida.

É no silêncio da noite que se deixa de acreditar,
Que a desesperança nos atormenta,
Que a dor castiga mais.

É no silêncio da noite que se não esquece,
Que os nossos passos caminham errantes,
Em sonhos desgarrados, ao encontro doutros passos...

domingo, 8 de julho de 2007

Nada é definitivo!...

"Nada é definitivo!"
Esta frase não é minha... Posso usá-la? Obrigada!
Eu sei!...
Um dia, numa qualquer estação da vida, voltaremos a encontrar-nos.
Pisaremos o mesmo chão, deixaremos que o mesmo sol nos aqueça, teremos a mesma brisa a acariciar-nos o rosto.
Em silêncio, deixaremos que se misturem olhares feitos de mar e de amêndoa, avaliaremos o tempo infinito que passou, contaremos novidades, desabafaremos mágoas, relataremos alegrias.
Tentaremos perceber porque é que a uns o mar une e a outros o mar separa.
Perdoaremos ao sol por todo o tempo que deixou de brilhar e agradeceremos às nuvens, num gesto de gratidão, tantos dias cinzentos que nos proporcionaram.
Desculparemos ao destino pelas feridas que nos abriu na alma e pediremos à vida que nos ajude a sará-las.
Despiremos as convenções e deixaremos que as emoções se revelem.
Recordaremos com saudade os projectos comuns, aos quais nos entregámos com empenho e dedicação e que nos ajudaram a construir o belo edifício da amizade.
Faremos promessas que não poderemos cumprir, riremos desajeitados, exultaremos numa saudável loucura.
Prenderemos o tempo com ambas as mãos, impedindo-o de continuar a correria louca que nos transforma em antípodas coercivos.
E depois de tudo isto, se ainda tivermos tempo, continuaremos em busca do mesmo sonho!...

"...Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...

Anseio! Asas abertas!
O que trago Em mim?
Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!..."

Florbela Espanca

sábado, 30 de junho de 2007

Deus faz a mudança por nós...

Amiga, tens razão. Tens razão, mesmo!
Ter consciência da necessidade de mudar, é, por si só, reconhecer que algo está mal; arquitectar a mudança é um sinal claro da vontade de mudar; mas ganhar coragem para concretizar o projecto, é, sem dúvida, muitas vezes, uma experiência demasiado dolorosa.
Quando mudar é ser obrigado a pactuar com o destino, ladrão infame, que nos rouba o calor do olhar que aquece os nossos dias e alimenta a nossa vida, é iniciar uma via-sacra sobre brasas, cujo terminus dificilmente se poderá prever.
Mas se mudar significar, por exemplo, ter que virar as costas ao sorriso mais lindo do universo, então, a mudança fere-nos a alma tão profundamente que as marcas jamais se apagarão.
Então, os avanços e recuos no propósito de mudança transformam-se numa dança angustiante de duração indeterminada.
Quando assim é, quando nos falta força e coragem para decidir, Deus na sua infinita bondade, encarrega-se, Ele próprio, de fazer a mudança por nós, dispondo a Seu jeito, no tabuleiro da vida as peças com que o destino continuará a jogar.
Concretizado o plano pela mão divina, resta-nos reunir as migalhas de força que ainda sobram, descobrir na profundidade do nosso ser fragmentos de uma resistência até então desconhecida e continuar a caminhar com passos incertos, pelo carreiro tortuoso da existência, na esperança de que um dia nos aproximaremos, de novo, dum lugar chamado Paz.
Amiga, tu sabes tudo!...

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Ainda e sempre "Os Maias"

"... É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!
Ega não se admirava. Só ali, no Ramalhete, ele vivera realmente daquilo que dá sabor e relevo à vida — a paixão.
— Muitas outras coisas dão valor à vida... Isso é uma velha ideia de romântico, meu Ega!— E que somos nós? — exclamou Ega.
— Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento, e não pela razão...
Mas Carlos queria realmente saber se, no fundo, eram mais felizes esses que se dirigiam só pela razão, não se desviando nunca dela, torturando-se para se manter na sua linha inflexível, secos, hirtos, lógicos, sem emoção até ao fim...
— Creio que não — disse o Ega. — Por fora, à vista, são desconsoladores. E por dentro, para eles mesmos, são talvez desconsolados."

Eça de Queirós, in Os Maias

.../...

Porque insisto em transcrever este excerto? Porque, desde a primeira vez que li Os Maias, apaixonei-me por ele.
Primeiro por obrigação, enquanto estudante, depois pelo prazer da leitura, de cada vez que leio este livro os meus sentidos rendem-se totalmente, filtrados por tanta sensibilidade.
Obra de elevada qualidade literária, tem na base da sua pirâmide uma crítica, política e social, ao Portugal de então, onde não é descurado o comportamento humano, nas suas várias vertentes, indo desde o amor à tragédia, passando pelo incesto, embora inconsciente.
A inquietação pulsa ao ritmo dos corações, a intriga germina em cada recanto, os amores são brasidos que, silenciosos, queimam as entranhas.
Há um rio de emoções que atravessa esta obra desde a primeira à última página e que desencadeia em cada uma das personagens uma mescla de sentimentos que a todos enreda. Até ao velho patriarca, Afonso da Maia, a quem de nada serviu a razão, quando a notícia do incesto dos netos o fulminou irremediavelmente.
Uma obra para ler e reler!

terça-feira, 19 de junho de 2007

No limiar da mudança

Não mudamos porque nos fica bem mudar ou porque alguém achou que era melhor mudarmos.
Mudamos quando chega o momento e acontece naturalmente;
mudamos quando a razão, com os seus cálculos frios e impiedosos, escraviza a emoção, obrigando-a a anular-se;
mudamos, porque, cansados de esperar, chega a desesperança, preâmbulo de transformações;
mudamos porque, sendo a única possibilidade de escapar ao terramoto da insanidade, obrigatoriamente promovemos a necessária modificação.
Mas, quando o elemento a neutralizar é um manancial incessante de emoções, o mais longe que podemos ir é até apagar as labaredas, deixando o borralho, na esperança de que, embora continue ardente, sob controlo não incendiará.
Um dia, Alguém, que me conhece bem, acusou-me de ser resistente às mudanças. Não foi muito agradável admitir que tinha alguma razão, principalmente porque mudança é sinónimo de desenvolvimento, só se cresce mudando, e admiti-lo gerou-me um conflito interior face ao meu desejo perene de evoluir como pessoa. Mas a verdade é que não me predisponho com muita satisfação a mudar, porque mudar pressupõe incerteza, desconhecimento, o que torna a mudança, por si só, penosa.
Tinhas razão, Amigo, mudar, por vezes, custa muito!
Já dizia uma Amiga minha que qualquer mudança, por muito desejada que seja, tem sempre a sua ressaca.
Mas aqui estou, a apresentar-me à mudança. E que mudança, meu Deus!...

"...
Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anónimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.

Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,
E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão..."

Mguel Torga

terça-feira, 12 de junho de 2007

Desassossego

Apanhou os bocados de vida que lhe sobraram do desalento, das sombras fez luz, despiu a alma e serviu-a numa bandeja de prata. Soltou as amarras, abriu o peito, deu-se sem nenhuma condição.
Acreditou que se estendesse a mão tocaria na felicidade, tão perto a sentia.
Uma luz divina fazia o seu enfoque no Ser sublime que criara. Não tinha espaço para dúvidas, via grandeza em tudo, tudo era perfeito, cada palavra, cada gesto.
Acreditou que o sol poderia voltar a brilhar, restituindo-lhe a luz da serenidade, e permitindo-lhe sonhar, outra vez, os deliciosos sonhos proibidos.
Mas a realidade persegue cada réstia de esperança...
A vida prosseguiu a sua caminhada imparável sem titubear. Impiedoso, o destino, com as suas voltas inesperadas, foi-lhe devolvendo a realidade que ousara rejeitar. Voltou a sentir o frio do silêncio, a inclemência da solidão acompanhada, os sonhos desvaneceram-se.
Outrora confiante, voltou a sentir-se povoada de dúvidas.
Porém, a distância descontrai, facilita a clarividência, ajuda a desfazer mistérios. E o mesmo vento que levava tristeza, lamentos e saudade, regressava murmurando verdades silenciadas, carregado de ilusões desfeitas.

"O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...
São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma."

Fernando Pessoa

Agora, ela sabe que é tempo de secar as lágrimas, pespegar com aquele sorriso nos lábios - esse mesmo, o que forma uma covinha em cada bochecha - olhar em frente e prosseguir caminho, porque há mais vida para lá dos sonhos.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Saudade

saudade s. f.,
lembrança triste e suave de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de as tornar a ver ou a possuir;

Não é minha intenção transcrever o dicionário de português, fui, apenas, certificar-me da definição correcta para esta nostalgia, este desconforto que teimosamente me acompanham.
Descobri que "saudade" quer dizer, dor intensa no peito, vontade indómita de voar para ao pé de quem se deseja;
Saudade significa, ainda, um nome, um sorriso, um olhar, uma fragrância, o som de uma voz, o sussurro de um respirar, rumor de passos;
Saudade quer dizer, também, dor da separação, tempo infinito que medeia entre uma partida e um regresso, desassossego;
Saudade, define algo que um dia foi vivido em comum;
Mas, saudade pode ainda significar silêncio, dias intermináveis sem notícias, sentimentos entorpecidos, esquecimento;
Hum!... Pensando melhor, saudade quer dizer, débil despertar dos baixios duma ilusão, resquícios de um sonho;
Saudade!? Eu sei lá!... Até para um dicionário é pretensioso querer defini-la! Há-de sempre variar de cor, intensidade e tamanho, conforme o peito que habitar e a razão que a fez nascer.

"Saudades! Sim... talvez... e porque não?..."
Florbela Espanca

sábado, 2 de junho de 2007

Pelos caminhos da emoção...

Sem propriedade, mas com o direito que me é conferido enquanto ser pensante, arrisco-me a fazer uma breve incursão pelos sinuosos caminhos da emoção.
É pacífico que o ser humano tem na sua génese muito mais emoção do que razão. Ocorre-me fazer esta reflexão por verificar que, cada vez mais, se estão a generalizar as técnicas, desde as mais ancestrais às mais modernas, para controlar as emoções, numa nítida negação à partilha dos sentimentos espontâneos. Como resultado, as pessoas transformam-se em criaturas amorfas, sem alma, com um sorriso amarelo sempre pronto a disparar, exibindo uma felicidade feita por medida. Seres programados, que falam baixinho e nunca perdem a calma, que se furtam aos sentimentos, no mais puro exercício de egoísmo, iludindo-se a si próprios e aos outros de que, assim, pacificam as suas existências e as dos que os rodeiam. Não tenho dúvidas de que o controlo das emoções que promova a paz da humanidade, ajude a eliminar ódios e a acabar com as guerras, é bem-vindo e só tem que ser aplaudido, mas quando esse controlo significa recusa da partilha de sentimentos, é a clara rejeição à maior parte das características que elevaram o homem à categoria de Homo Sapiens.
Daniel Goleman afirma, no seu livro Inteligência Emocional, que:

"Fomos demasiado longe na ênfase que damos ao valor e importância do puramente racional - aquilo que o QI mede - na vida humana. Para o melhor e para o pior, a inteligência pode não ter o mínimo valor quando as emoções falam."

Na mesma obra o autor cita Erasmo de Roterdão, que numa veia satírica escreveu:

"Para que a vida humana não fosse totalmente triste e enfadonha, Júpiter concedeu-lhes muito mais paixões do que razão (...) A razão apenas consegue gritar, até enrouquecer, as leis da honestidade. É rainha de quem os homens troçam e injuriam até que, cansada, se cala e se confessa vencida."

Já Eugen Drewermann, no seu livro, A Angústia e a Culpa, refere que:

[... “bastaria” ensinar o outro a sonhar sem fingimento e a falar de si próprio com mais sinceridade, sem censura ou intervenção alheia, para o ajudar a reencontrar-se]

Diz ainda este Autor, nesta mesma obra, que:

“... há uma enorme dissociação entre uma vida pública que não é a vida própria e uma vida própria que anda à deriva fora da realidade, num mundo interior ilusório de sonhos e de anseios não vividos.”

Daqui se infere que coarctar as emoções negando os mais genuínos sentimentos é uma fuga à realidade, e fugir nunca será a solução para nenhum problema.

domingo, 27 de maio de 2007

Do alto da minha inquietude...

Caminho com passos firmes e decididos em direcção à quietude que persigo... Levo comigo um punhado de ilusões desfeitas e uma mão-cheia de cinzas do fogo que me esforço por extinguir. Tento libertar-me das grilhetas que me mantêm cativa, evadir-me do claustro dos sentimentos. Ouso vislumbrar a libertação da alma.
No crepúsculo do desassossego agitam-se sombras que esperam, pacientemente, o alvorecer para se devanecerem, como a folha caída, inconformada com a sua sorte, espera que sopre a brisa para ganhar força e voltar a elevar-se.

"...

Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida verdade, o Sentimento!
- E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso d’alto pensamento,
E puro como um ritmo d’oração!
-E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento!...

São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!”

Florbela Espanca

terça-feira, 22 de maio de 2007

No limbo da tua memória...

Daquela menina de tez trigueirinha, com uns olhos de amêndoa e duas tranças negras a esvoaçar ao vento, que transportava consigo o aroma de flores e o sabor a sal da sua ilha, enquanto acreditava em fadas e duendes e a quem o pai, carinhosamente, chamava "a minha Preta pequenina", sobra apenas um coração em farrapos num corpo de sofrimento.
Mas a vida, impiedosa, não nos permite que fiquemos a lamber a nossas próprias feridas, obriga-nos a ter espírito combativo e lutador, impõe-nos coragem. Exige de nós a força que é preciso para dizer não quando se deseja dizer sim e a determinação que faz falta para virar as costas ao que mais se ama.
Não obstante, a vida permite que guardemos, como coisa sagrada, os doces momentos que matizaram a nossa existência, sem deixar de nos torturar com flashes de memória que desejaríamos apagar para sempre.

.../...

"Rasga esses versos que eu te fiz, ...!
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!

Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada de um momento!
..."

Florbela Espanca

.../...

Guarda-me no limbo da tua memória, já que não consegui conquistar uma posição na estante das tuas boas recordações e sinto que, também, não mereço um lugar no dossier do teu esquecimento.
Não te peço uma flor, uma oração, uma lágrima ou um sorriso, peço-te, apenas, que me devolvas a paz que preciso para continuar a suportar o resto do caminho que ainda me falta.

domingo, 20 de maio de 2007

Viagem ao País do Silêncio

Coordenadas: Latitude 22º Norte; Longitude 113º Leste
Clima: Subtropical húmido
Temperatura média anual 22º C
Área geográfica: Pouco mais que nada
Forma de lá chegar: De avião e barco

No país do silêncio onde...

“Floriram por engano as rosas bravas
No Inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?

Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que um momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!

E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...

Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze – quanta flor! – do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?”

Camilo Pessanha


... paulatinamente, vais deixando, numa mistura feita de bocados de alma e de corpo, fragmentos de uma vida que não é a tua!

terça-feira, 15 de maio de 2007

O Amor é intemporal!

Quem acredita que já se disse tudo sobre o Amor, desengane-se. Apesar dos incontáveis rios de tinta gastos a escrever sobre este tema, das inúmeras curtas e longas metragens que têm transportado para a tela relatos que variam entre a ficção e a realidade sobre o Amor, porque cada ser humano é único, logo, tem a sua forma própria de sentir, há-de haver sempre algo de novo a dizer sobre este sentimento. É com base nesta premissa que, hoje, me permito dissertar um pouco sobre o Amor.
Começarei por citar Florbela Espanca, a Poetisa que, com inexcedível sensibilidade, através dos seus sonetos, elevou o Amor à sublimação.

"Ama-se quem se ama e não quem se quer amar."

Tentar fugir a um Amor considerado intempestivo é encetar um processo de puro masoquismo cujo êxito será comprovado pelas marcas que o seu autor transportará vida fora. Ninguém passa por um grande Amor sem deixar pelo caminho bocados de vida.
O Amor não é dócil, é um anarquista rebelde que não escolhe sítio para morar; é-lhe indiferente a raça, a condição, a idade ou o estado do seu habitat, o importante é que se sinta confortável.
Se acredito que isto é verdade, estou igualmente convencida que há corações onde o Amor nunca morou, não pelo menos aquele Amor que nos leva a fundir corpo e alma, como se espírito e matéria fossem um só. Seres que pouco sabem do Amor, que quando se cruzam com este sentimento acreditam que podem ajusta-lo à medida dos seus desejos ou das suas conveniências. O Amor consome-nos inevitavelmente, mas passar pela vida sem nunca ter oscilado entre o limiar da loucura e o êxtase divino a que o Amor nos conduz é ir-se embora com uma existência incompleta.
O Amor é um sentimento poderoso, com extrema facilidade transforma os corações.
Aos que encontra em estado letárgico, acicata-os e ensina-lhes a arte de amar.
Àqueles que vivem prisioneiros da amargura, submersos em revolta, suaviza-os.
Aos que são vítimas de si próprios por se terem entregue à sedução de um amor incapaz de compreender a grandeza deste sentimento, dá-lhes o alívio da certeza que, com efeito, o Amor é intemporal, mas não é imutável!

"...

É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés d'alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

(...)

A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...

Amar-te a vida inteira eu não podia...
A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a vida!... "

Florbela Espanca

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Como música para o coração...

À pergunta: A amizade tem fronteiras? A resposta imediata é:
Não! Claro que não!!!
Efectivamente, a amizade não tem limitações de natureza geográfica.
Não pode ter!... Se a distância afecta a amizade, então, estamos em presença de outro sentimento qualquer ao qual alguém resolveu chamar amizade.

Ela espera, com a paciência que só os fortes sentimentos transmitem...

- "Sim?!..."

Sonha com a sua voz doce e suave do outro lado da linha, como se fosse a voz dum Anjo vindo do céu para pacificar a sua existência. Subitamente vem-lhe à memória a ternura de uma frase ouvida noutra altura:

"... parece que liguei para o céu e um anjo atendeu-me o telefone!"

É tão doce a melodia daquela voz, aroma de flores que lhe roça o ouvido numa carícia, em contraste com o silêncio perturbante que lhe corrompe o coração e a faz sofrer impiedosamente.
Sente a alma gelada, apetece-lhe gritar até perder os sentidos, fugir deste mundo louco que a tortura.
Tinha esperneado, protestado, jurado pelas alminhas que desta vez é que era...
Como é benevolente o amor que tudo esquece, tudo perdoa!
Aquela voz de água cristalina, resgata-a à inquietação, lava-lhe a alma, alimenta-lhe o espírito. No seu imaginário, saboreia, lentamente, o som daquela voz como se fosse um cântico divino; beija cada palavra com emoção. Uma sucessão de imagens devolve-lhe à lembrança os seus bens mais preciosos: um sorriso doce, um olhar de pedra preciosa, gestos ternos. Deseja reconciliar-se com o mundo, amar como se nunca tivesse sido magoada.
Mas, - Ó inexorável certeza! - um arrepio visceral devolve-a à realidade e duas gotas de prata rolam-lhe pela face como se o coração quisesse fazer a sua drenagem através dos olhos. Lembrou-se que, afinal, o seu mais fiel e inseparável amigo é, sem sombra de dúvidas, o implacável silêncio.

domingo, 6 de maio de 2007

Um retalho de vida

Não obstante Dezembro ser um mês de Inverno, o sol marcava a sua presença, tornando o dia acolhedor, o que, aliás, é frequente numa ilha que nasceu sob a protecção da natureza, em que os invernos são suaves e os verões brandos, como se as estações intercalares servissem apenas para temperar o clima.
Já decorria a azáfama dos preparativos para o Natal que se aproximava. Ela continuava a trabalhar, prolongando o período da manhã, enquanto esperava companhia para almoçar.
O toque suave na porta fê-la levantar-se da secretária, deixando para trás anos a fio de tranquila apatia sentimental.
Pressentindo que a mudança lhe seria penosa estrebuchou, tentando resistir-lhe, mas...

Chegaste como a aurora, pela manhã,
Pousaste levemente, de mansinho,
Com a leveza e doçura que te caracterizam.
Não pediste licença, entraste,
Qual alcova nupcial pronta a receber-te,
E de forma indelével deixaste a tua marca.
Com a mesma serenidade com que apareceste
Foste-te esgueirando paulatinamente,
Sem te aperceberes que os campos
Outrora áridos e agrestes,
Eram agora planícies ardentes, sedentas de ternura,
Espezinhadas por um sentimento amordaçado.
O sol que a aurora prometera não chegou,
Em seu lugar veio a tempestade angustiante,
A ansiedade, o vazio do afastamento,
A fazerem jus ao Dezembro frio e chuvoso
Que te trouxe de outra estação, porventura mais bonita!

Do dicionário para o seu coração, saltaram alguns vocábulos que nunca mais a abandonaram: "amor”, “entrega”, “ausência”, “sofrimento”...
Os seus dias passaram a ser vividos em ansiedade, como se os ponteiros do relógio tivessem trocado de lugar e o dos minutos se deslocasse à velocidade do das horas, tal era a expectativa.
Mas, a vida nas suas voltas, por vezes, devolve-nos às origens, recolhe os nossos cacos e cola-os, sabendo que, por mais perfeito que seja o trabalho, as cicatrizes não se apagarão nunca.
Entretanto, noutros locais, noutras portas, o mesmo toque suave continuará a abrir outros corações que ficarão desarrumados ou não, sendo certo que para se estar bem, afinal, só é preciso ter da vida um sentido prático!

Inauguração do Blog

Destinado a todos e a ninguém, decorrido mais de um ano após ter criado este Blog, eis que me disponho a proceder à cerimónia inaugural do dito cujo.
Desde que aprendi as primeiras letras, percebi que na escrita estava o meu maior confidente, o amigo sempre disponível para me ouvir, o meio de aliviar a alma e desentupir o coração sem pressas nem nervosismos. De tal forma que a minha amiga Escrita já me ouviu em confidência vezes incontáveis, embora de há algum tempo para cá, acredito, esteja a aproximar-me dos limites da sua paciência, pois que as últimas confidências que lhe venho fazendo já somam mais de duas centenas de páginas. Mas é exactamente aqui que a nossa amiga Escrita se distingue dos nossos outros amigos, é que ela nunca se impacienta connosco nem nunca lhe falta o tempo para nos ouvir.
Mas este sítio não se destinará, seguramente, às minhas confidências, terá a missão, já que existe, de me permitir emitir opinião e tecer considerações acerca dos mais variados temas e assuntos, sempre que eu puder e achar oportuno, sendo que o meu compromisso de como e quando é comigo mesma.
Se me exponho em público, obviamente, conto que me leiam e me critiquem, o que será sempre bem vindo, por ser um sinal de interesse; no entanto, não darei boleia à publicidade orfã, por não ser este o sítio indicado para esse efeito.