terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Os novos planetas


Não, não venho falar de astronomia nem de corpos celestes, venho falar de planetas terrenos, mundanos, uma espécie que prolifera por todo o lado. São os oportunistas, que não conseguem viver sem as luzes da ribalta; mesmo sabendo que essas luzes brilham para um talento que não é seu, aproveitam-se da luz emanada dos valores de outros para poderem, eles próprios, brilhar.
Há dias dizia-me um Amigo que muito prezo:
"Antigamente só ocupavam os lugares cimeiros, lugares de destaque, quem tinha provas dadas e fosse uma referência nessa área; quem tinha algo para ensinar e enchesse de orgulho os seus congéneres, quem emprestasse o seu brilho, o brilho de uma carreira de sucesso, o brilho do seu valor, a uma classe ou a uma organização. Hoje, é precisamente o contrário; hoje, em regra, ocupam esses lugares não os que têm algo para ensinar, mas sim os que precisam do brilho da classe ou da organização que pretendem representar, para que possam, eles próprios, brilhar."
Nada mais bem observado! É vê-los, todos em bicos de pés, não vá dar-se o caso de não serem notados e, assim, correrem o risco de não serem chamados a ocupar o tão almejado poleiro.
É espantoso quão abrangente é o seu conhecimento, em qualquer área estão completamente à vontade, ainda que estejamos a falar de mudanças que podem rondar os cento e oitenta graus. Eles sabem tanto de comunicação social como sabem de estradas, sabem tanto de desporto como de finanças; é impossível enumerar todas as qualidades e capacidades que cada um destes planetas possui, tão global é o seu saber.

Mas se o destino lhes troca as voltas e, mau grado, não conseguirem concretizar o mui nobre desejo de servir a classe, a região, ou até mesmo a nação, não desmobilizam, põem-se logo em campo a ver onde é que aparece a próxima oportunidade para tentarem servir (se), pois que em tão bondosas almas mora o incontrolável impulso de partilhar o que é do próximo consigo próprios, nem que se esteja a falar apenas e só do fugaz perfume da fama.


domingo, 28 de fevereiro de 2010

Romance ingénue de duas linhas paralelas

Duas linhas paralelas
muito paralelamente
iam passando entre estrelas
fazendo o que estava escrito:
caminhando eternamente
de infinito a infinito.

Seguiam-se passo a passo
exactas e sempre a par
pois só num ponto do espaço
que ninguém sabe onde é
se podiam encontrar
falar e tomar café.

Mas farta de andar sozinha
uma delas certo dia
voltou-se para a outra linha
sorriu-lhe e disse-lhe assim:
“Deixa lá a geometria
e anda aqui para o pé de mim…”

Diz-lhe a outra: “Nem pensar!
Mas que falta de respeito!
Se quisermos lá chegar
temos de ir devagarinho
andando sempre a direito
cada qual no seu caminho!”

Não se dando por achada
fica na sua a primeira
e sorrindo amalandrada
pela calada, sem um grito
deita a mãozinha matreira
puxa para si o infinito.

E com ele ali à frente
as duas a murmurar
olharam-se docemente
e sem fazerem perguntas
puseram-se a namorar
seguiram as duas juntas.

Assim nestas poucas linhas
fica uma história banal
com linhas e entrelinhas
e uma moral convergente:
o infinito afinal
fica aqui ao pé da gente!

José Fanha, in Eu Sou Português Aqui

domingo, 14 de fevereiro de 2010

...


"Nunca me pesou o que de trágico se passasse na China. É decoração longínqua, ainda que a sangue e peste."

Fernando Pessoa, in O Livro do Desassossego