terça-feira, 12 de junho de 2007

Desassossego

Apanhou os bocados de vida que lhe sobraram do desalento, das sombras fez luz, despiu a alma e serviu-a numa bandeja de prata. Soltou as amarras, abriu o peito, deu-se sem nenhuma condição.
Acreditou que se estendesse a mão tocaria na felicidade, tão perto a sentia.
Uma luz divina fazia o seu enfoque no Ser sublime que criara. Não tinha espaço para dúvidas, via grandeza em tudo, tudo era perfeito, cada palavra, cada gesto.
Acreditou que o sol poderia voltar a brilhar, restituindo-lhe a luz da serenidade, e permitindo-lhe sonhar, outra vez, os deliciosos sonhos proibidos.
Mas a realidade persegue cada réstia de esperança...
A vida prosseguiu a sua caminhada imparável sem titubear. Impiedoso, o destino, com as suas voltas inesperadas, foi-lhe devolvendo a realidade que ousara rejeitar. Voltou a sentir o frio do silêncio, a inclemência da solidão acompanhada, os sonhos desvaneceram-se.
Outrora confiante, voltou a sentir-se povoada de dúvidas.
Porém, a distância descontrai, facilita a clarividência, ajuda a desfazer mistérios. E o mesmo vento que levava tristeza, lamentos e saudade, regressava murmurando verdades silenciadas, carregado de ilusões desfeitas.

"O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...
São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma."

Fernando Pessoa

Agora, ela sabe que é tempo de secar as lágrimas, pespegar com aquele sorriso nos lábios - esse mesmo, o que forma uma covinha em cada bochecha - olhar em frente e prosseguir caminho, porque há mais vida para lá dos sonhos.

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