quinta-feira, 21 de junho de 2007

Ainda e sempre "Os Maias"

"... É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!
Ega não se admirava. Só ali, no Ramalhete, ele vivera realmente daquilo que dá sabor e relevo à vida — a paixão.
— Muitas outras coisas dão valor à vida... Isso é uma velha ideia de romântico, meu Ega!— E que somos nós? — exclamou Ega.
— Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento, e não pela razão...
Mas Carlos queria realmente saber se, no fundo, eram mais felizes esses que se dirigiam só pela razão, não se desviando nunca dela, torturando-se para se manter na sua linha inflexível, secos, hirtos, lógicos, sem emoção até ao fim...
— Creio que não — disse o Ega. — Por fora, à vista, são desconsoladores. E por dentro, para eles mesmos, são talvez desconsolados."

Eça de Queirós, in Os Maias

.../...

Porque insisto em transcrever este excerto? Porque, desde a primeira vez que li Os Maias, apaixonei-me por ele.
Primeiro por obrigação, enquanto estudante, depois pelo prazer da leitura, de cada vez que leio este livro os meus sentidos rendem-se totalmente, filtrados por tanta sensibilidade.
Obra de elevada qualidade literária, tem na base da sua pirâmide uma crítica, política e social, ao Portugal de então, onde não é descurado o comportamento humano, nas suas várias vertentes, indo desde o amor à tragédia, passando pelo incesto, embora inconsciente.
A inquietação pulsa ao ritmo dos corações, a intriga germina em cada recanto, os amores são brasidos que, silenciosos, queimam as entranhas.
Há um rio de emoções que atravessa esta obra desde a primeira à última página e que desencadeia em cada uma das personagens uma mescla de sentimentos que a todos enreda. Até ao velho patriarca, Afonso da Maia, a quem de nada serviu a razão, quando a notícia do incesto dos netos o fulminou irremediavelmente.
Uma obra para ler e reler!

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