terça-feira, 23 de setembro de 2008

Assimetria de sentimentos

Ontem, num Telejornal, ouvi a notícia do lançamento de um livro, de uma psicanalista espanhola, Mariela Michelena, cujo título é "Mulheres Mal-Amadas".
Com a devida vénia à Autora, a quem apresento os meus cumprimentos pela sua obra, começo por dizer que não gosto do título do livro, por tudo o que ele pode sugerir.
Não pretendo comentar a obra em si, tanto mais que ainda não a li - o que farei sem nenhum sacrifício -, mas tão-somente pegar-lhe no título, passando de soslaio pela sinopse e reflectir sobre o tema.
Talvez por não perceber bem o que é que significa ser bem ou mal amado – a ideia que tenho é que se pode ser muito amado ou pouco amado ou, simplesmente, ser ou não ser amado –, neste caso, eu preferia chamar-lhe "Assimetria de sentimentos"; e isto não é, apenas, uma questão semântica é, antes, uma questão de verdade interior.
Mas a Sinopse do livro reza assim:

"Este livro é dedicado a todas as mulheres que são mal-amadas. E quando falamos de mal-amadas, não nos referimos apenas a mulheres vítimas de violência doméstica. Falamos de mulheres que estão presas a relações impossíveis, furtivas, clandestinas ou proibidas. Relações que as consomem emocionalmente, que as vão destruindo psicologicamente aos poucos. Mulheres que choram por um amor sem futuro. Que são fiéis e submissas a um homem que não as quer bem. Mulheres extraordinárias, fortes em todos os campos da sua vida, menos no amor. Mulheres enganadas, assustadas, traídas, dispostas a anularem-se perante um homem que não as quer como elas merecem ser queridas.
- Anula-se na sua relação para não provocar conflitos com o seu marido?
- Acaba e recomeça constantemente a sua relação?
- Não consegue viver sem essa pessoa apesar de saber que ela não a merece?- É incapaz de falar com as suas amigas sobre os seus sentimentos?"

Esta notícia prendeu-me a atenção por ser um tema pelo qual me interesso muito, os sentimentos, mas também por não concordar com a ideia que o resumo que foi feito para a apresentação do livro transmite.
Permito-me discordar desta resenha porque não me parece que haja mulheres mal-amadas, aliás, nem mulheres nem homens mal-amados, o que há, isso sim, são sentimentos fora do lugar, amores trocados, ou o que lhes quisermos chamar, mais ou menos difíceis de morrer.
Se a expressão "mal-amada" corresponde a sentimentos desencontrados, isto não significa que, exactamente, por via disso, do outro lado da barreira que ela, inconscientemente, ergueu para se guardar só para esse amor, não haja um ou vários outros amores, que a podem amar muito, mas a quem, também ela, não pode corresponder. Neste caso o rótulo passaria a ser "Homens Mal-Amados"? E, em que é que ficamos, ela, ainda assim, é mal-amada?
Para além disto, da apresentação do livro – "Não consegue viver sem essa pessoa apesar de saber que ela não a merece?" –, fica-nos a ideia, a exemplo de muitos outros livros do género, que a obra pretende ser um kit, composto por uns quantos metros de felicidade, de tamanho maior ou menor consoante o número de pessoas a quem quisermos mostrar que somos felizes, um frasquinho de sorrisos, prontos a disparar sempre que se revelar oportuno, uma pomadinha para ajudar à serenidade e uma embalagem de comprimidos para a contenção e o auto-controlo.
Este meu acreditar é empírico, nada tem de científico, mas é a partir das experiências que se formam as teorias e são estas que nos conduzem à ciência. E é científico que as mulheres trazem consigo uma maior carga de emoção do que os homens, o que as faz, em regra, viver o amor com mais intensidade do que aqueles, sendo que isso as torna, também, mais vulneráveis, mas não, necessariamente, mal-amadas, seja o que for que isso signifique.