sábado, 29 de setembro de 2007

Se pudéssemos...

"...
Frémito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,

Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!

E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que me não amas...

E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas..."

Florbela Espanca

... Ah, se pudéssemos ouvir o olhar, escutar os pensamentos, decifrar o sorriso!...

sábado, 22 de setembro de 2007

O outro lado de cada um de nós

Com a devida vénia, aqui fica a minha penitência para o caso desta reflexão poder vir a agitar consciências.
Imaginemos a vida dividida em compartimentos. Dois.
Um, virado para o exterior, com janelas rasgadas e grandes portões escancarados, por onde entra o sol e circula o ar. Amplo, o suficiente para nele caberem recepções, festas, espectáculos. Com painéis enormes, onde se inscrevem os feitos que se vão acumulando, e grandes prateleiras onde se expõem os troféus conquistados.
Neste compartimento, vêem-se sorrisos, simpatia, boas maneiras, ensaiados ao som da orquestra das convenções. Aqui, rendem-se homenagens, nem sempre merecidas, e faz-se o culto ao prazer imediato. Retarda-se o tempo, recorrendo aos avanços da ciência e da técnica, perfuma-se o ar, experimenta-se o êxtase.
No outro compartimento, quiçá, mais sombrio e insalubre, aproveita-se as migalhas que o tempo deixa, para gerir contrariedades, ocultar lembranças que fazem doer, secar lágrimas insurrectas. Neste compartimento, contabiliza-se as derrotas, soma-se as perdas, apura-se amarguras.
A abertura estreita, fria e severa, virada para o poente, convida à reflexão: Valerá a pena tantos atropelos? Não me parece!
Se tivermos como certo que os grandes valores da vida acontecem naturalmente, então, para quê tanta competição?
O amor não se compra! O amor acontece! A verdadeira amizade nasce! A paz não está à venda! A saúde não tem preço!
... E como ficamos impotentes quando vemos partir os que nos são queridos!
... Se em mais compartimentos dividíssemos a vida, seguramente, encontraríamos mais razões para reflectir!

"...
Se ao menos soubesses tudo o que eu não disse
ou se ao menos me desses as mãos como quem beija
e não partisses, assim, empurrando o vento
com o coração aflito, sufocado de segredos;
se ao menos percebesses que eram nossos
todos os bancos de todos os jardins;
se ao menos guardasses nos teus gestos essa bandeira de lirismo
que ambos empunhamos na cidade clandestina
Quando as manhas cheiravam a óleo e a flores
e o inverno espreitava ainda nas esquinas como uma criança tremendo;
se ao menos tivesses levado as minhas mãos para tocar os teus dedos
para guardar o teu corpo;
se ao menos tivesses quebrado o riso frio dos espelhos
onde o teu rosto se esconde no meu rosto
e a minha boca lembra a tua despedida,
talvez que, hoje, meu amor, eu pudesse esquecer
essa cor perdida nos teus olhos."

Joaquim Pessoa

domingo, 9 de setembro de 2007

Ao querido Amigo que nunca esquecerei

Chico, querido Amiguinho,
- em vez de palavras brotam lágrimas -
como é que isto te foi acontecer?...
Como é que isto nos aconteceu?!...
Até sempre, querido Amiguinho!

"A voz de Deus

Ó rosas que baixais as castas frontes
Quando, à tarde, vos beija o sol poente,
Dizei-me que murmúrios vos segreda
O sol que vos beija docemente?…

Ó luar cristalino e abençoado
Por que entristeces tu em noites belas
Quando chora baixinho o rouxinol
Um choro só ouvido pelas estrelas?…

Mistério das coisas! Em tudo existe
Um coração que sente e que palpita
Desde o sol rubro até à urze triste!

Ó mistério das coisas! Voz de Deus
Em tudo eternamente sê bendita
Na terra imensa assim como nos céus!"

Florbela Espanca