segunda-feira, 30 de julho de 2007

Uma flor para ti

A ti, que és vida, és alma, és sentimento... Estou contigo. Sinto o bater do teu coração, ouço o teu respirar, ilumina-me o teu olhar, inunda-me o teu sorriso. Estás feliz, embora com a contenção habitual.
Do cálice da vida solta-se um brinde a augurar o prolongamento do milagre que é viver.
Numa breve prece rogo à protecção divina que nunca se desvie do teu percurso. - Sim, eu sei!... Pensamento positivo!
O voo de uma gaivota desenha no céu braçados de rosas vermelhas, donde se desprendem pétalas perfumadas que vão cobrindo o teu chão, palco onde celebras a festa da vida. Eu também te trago uma flor, aceita, é para ti, com o carinho de sempre!

"...
A Flor do Sonho, alvíssima, divina,
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.

Pende em meu seio a haste branda e fina
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim!...
Milagre... fantasia... ou, talvez, sina...

Ó Flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!...

Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minh’alma
E nunca, nunca mais eu me entendi.."

Florbela Espanca

domingo, 29 de julho de 2007

Porto seguro

Ouve-se o ranger das amarras no ancoradouro. Foram-se esfiapando, aos poucos, e agora ameaçam quebrar-se.
Numa dança frenética a embarcação vai gemendo, ao ritmo das dores que a fazem adivinhar o seu fim. É urgente segurá-la, desviá-la do rochedo, poupá-la ao trágico destino que a tempestade lhe reserva.
Não é possível parar a tempestade, mas, ainda assim, é possível salvar a embarcação. Deslocá-la para lugar seguro, talvez outro porto de abrigo.
A mudança será penosa. Será necessário reunir todas as forças disponíveis, numa sinergia entre o querer e o poder. Não é importante perspectivar quanto tempo levará, importante é que a mudança se faça.
Urge caminhar em direcção à bonança, voltar a estar em porto seguro. Ter outra vez vontade de sorrir para a linha do horizonte, dançar com o suave balançar das ondas, deixar que a brisa lhe acaricie as velas, aconchegar-se tranquilamente aos mornos raios de sol.
E, como nada acontece por acaso, quem sabe não ganhará nova vida nos braços do ancoradouro que se estenderam para a salvar do naufrágio.

"...
Margens inertes
abrem os seus braços
Um grande barco no silêncio parte.
...”
Sophia de Mello Breyner Andresen

sábado, 21 de julho de 2007

Vidas...

Multidões anónimas, empurrando-se para o convencionalmente correcto, como se todos juntos formassem o conjunto de peças de uma máquina que se chama "mundo", que, devidamente encaixadas, só têm que cumprir a missão a que se destinam, sob pena de comprometerem o correcto desempenho da máquina.
Vozes que se cruzam, que nos trespassam, indiferentes ao nosso sentir, e que não deixam cá dentro o mais leve vestígio da sua passagem pelo nosso mundo interior.
Seres que com gestos mecânicos vão cumprindo a missão de viver.
A uma velocidade estonteante, - não vá esgotar-se no mercado! - vão arrecadando poder, fortuna, influências.
Entretanto, indiferente a este burburinho, o eu dos desenquadrados desta realidade, compromete-se com a amizade, com o amor, com a solidariedade, com a comunhão de valores. Deixa que as emoções voem livremente em busca da essência da vida, da partilha de sentimentos. Sabe que a felicidade é uma conquista feita de grandes valores e pequenos momentos, e recusa-se a fingir que acredita que esta pode ser adquirida em doses, maiores ou menores conforme as posses do adquirente; sabe, também, que sem amor nunca será uma pessoa completa.
Contudo, está consciente que este caminho tem muito mais escolhos e é, muitas vezes, regado com lágrimas. Sabe que as perdas não se quantificam, qualificam-se porque são bocados arrancados ao seu ser, difíceis, senão impossíveis, de repor.
Ainda assim, mesmo sabendo que encontrará espinhos, não desiste de procurar as rosas.
.../...

“Imagine there's no heaven,
It's easy if you try,
No hell below us,
Above us only sky,
Imagine all the people
Living for today...

Imagine there's no countries,
It isnt hard to do,
Nothing to kill or die for,
No religion too,
Imagine all the people
Living life in peace...

Imagine no possessions,
I wonder if you can,
No need for greed or hunger,
A brotherhood of men,
Imagine all the people
Sharing all the world...

You may say I'm a dreamer,
But Im not the only one,
I hope some day you'll join us,
And the world will live as one.”

Imagine, John Lennon

domingo, 15 de julho de 2007

No silêncio da noite

É no silêncio da noite que as almas se confessam,
Que as verdades gritam mais alto,
Que o abstracto ganha nome.

É no silêncio da noite que se conjectura,
Que se odeia,
Que se mata.

É no silêncio da noite que se ama,
Que se entrega,
Que se constrói uma nova vida.

É no silêncio da noite que se deixa de acreditar,
Que a desesperança nos atormenta,
Que a dor castiga mais.

É no silêncio da noite que se não esquece,
Que os nossos passos caminham errantes,
Em sonhos desgarrados, ao encontro doutros passos...

domingo, 8 de julho de 2007

Nada é definitivo!...

"Nada é definitivo!"
Esta frase não é minha... Posso usá-la? Obrigada!
Eu sei!...
Um dia, numa qualquer estação da vida, voltaremos a encontrar-nos.
Pisaremos o mesmo chão, deixaremos que o mesmo sol nos aqueça, teremos a mesma brisa a acariciar-nos o rosto.
Em silêncio, deixaremos que se misturem olhares feitos de mar e de amêndoa, avaliaremos o tempo infinito que passou, contaremos novidades, desabafaremos mágoas, relataremos alegrias.
Tentaremos perceber porque é que a uns o mar une e a outros o mar separa.
Perdoaremos ao sol por todo o tempo que deixou de brilhar e agradeceremos às nuvens, num gesto de gratidão, tantos dias cinzentos que nos proporcionaram.
Desculparemos ao destino pelas feridas que nos abriu na alma e pediremos à vida que nos ajude a sará-las.
Despiremos as convenções e deixaremos que as emoções se revelem.
Recordaremos com saudade os projectos comuns, aos quais nos entregámos com empenho e dedicação e que nos ajudaram a construir o belo edifício da amizade.
Faremos promessas que não poderemos cumprir, riremos desajeitados, exultaremos numa saudável loucura.
Prenderemos o tempo com ambas as mãos, impedindo-o de continuar a correria louca que nos transforma em antípodas coercivos.
E depois de tudo isto, se ainda tivermos tempo, continuaremos em busca do mesmo sonho!...

"...Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...

Anseio! Asas abertas!
O que trago Em mim?
Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!..."

Florbela Espanca