sábado, 30 de junho de 2007

Deus faz a mudança por nós...

Amiga, tens razão. Tens razão, mesmo!
Ter consciência da necessidade de mudar, é, por si só, reconhecer que algo está mal; arquitectar a mudança é um sinal claro da vontade de mudar; mas ganhar coragem para concretizar o projecto, é, sem dúvida, muitas vezes, uma experiência demasiado dolorosa.
Quando mudar é ser obrigado a pactuar com o destino, ladrão infame, que nos rouba o calor do olhar que aquece os nossos dias e alimenta a nossa vida, é iniciar uma via-sacra sobre brasas, cujo terminus dificilmente se poderá prever.
Mas se mudar significar, por exemplo, ter que virar as costas ao sorriso mais lindo do universo, então, a mudança fere-nos a alma tão profundamente que as marcas jamais se apagarão.
Então, os avanços e recuos no propósito de mudança transformam-se numa dança angustiante de duração indeterminada.
Quando assim é, quando nos falta força e coragem para decidir, Deus na sua infinita bondade, encarrega-se, Ele próprio, de fazer a mudança por nós, dispondo a Seu jeito, no tabuleiro da vida as peças com que o destino continuará a jogar.
Concretizado o plano pela mão divina, resta-nos reunir as migalhas de força que ainda sobram, descobrir na profundidade do nosso ser fragmentos de uma resistência até então desconhecida e continuar a caminhar com passos incertos, pelo carreiro tortuoso da existência, na esperança de que um dia nos aproximaremos, de novo, dum lugar chamado Paz.
Amiga, tu sabes tudo!...

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Ainda e sempre "Os Maias"

"... É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!
Ega não se admirava. Só ali, no Ramalhete, ele vivera realmente daquilo que dá sabor e relevo à vida — a paixão.
— Muitas outras coisas dão valor à vida... Isso é uma velha ideia de romântico, meu Ega!— E que somos nós? — exclamou Ega.
— Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento, e não pela razão...
Mas Carlos queria realmente saber se, no fundo, eram mais felizes esses que se dirigiam só pela razão, não se desviando nunca dela, torturando-se para se manter na sua linha inflexível, secos, hirtos, lógicos, sem emoção até ao fim...
— Creio que não — disse o Ega. — Por fora, à vista, são desconsoladores. E por dentro, para eles mesmos, são talvez desconsolados."

Eça de Queirós, in Os Maias

.../...

Porque insisto em transcrever este excerto? Porque, desde a primeira vez que li Os Maias, apaixonei-me por ele.
Primeiro por obrigação, enquanto estudante, depois pelo prazer da leitura, de cada vez que leio este livro os meus sentidos rendem-se totalmente, filtrados por tanta sensibilidade.
Obra de elevada qualidade literária, tem na base da sua pirâmide uma crítica, política e social, ao Portugal de então, onde não é descurado o comportamento humano, nas suas várias vertentes, indo desde o amor à tragédia, passando pelo incesto, embora inconsciente.
A inquietação pulsa ao ritmo dos corações, a intriga germina em cada recanto, os amores são brasidos que, silenciosos, queimam as entranhas.
Há um rio de emoções que atravessa esta obra desde a primeira à última página e que desencadeia em cada uma das personagens uma mescla de sentimentos que a todos enreda. Até ao velho patriarca, Afonso da Maia, a quem de nada serviu a razão, quando a notícia do incesto dos netos o fulminou irremediavelmente.
Uma obra para ler e reler!

terça-feira, 19 de junho de 2007

No limiar da mudança

Não mudamos porque nos fica bem mudar ou porque alguém achou que era melhor mudarmos.
Mudamos quando chega o momento e acontece naturalmente;
mudamos quando a razão, com os seus cálculos frios e impiedosos, escraviza a emoção, obrigando-a a anular-se;
mudamos, porque, cansados de esperar, chega a desesperança, preâmbulo de transformações;
mudamos porque, sendo a única possibilidade de escapar ao terramoto da insanidade, obrigatoriamente promovemos a necessária modificação.
Mas, quando o elemento a neutralizar é um manancial incessante de emoções, o mais longe que podemos ir é até apagar as labaredas, deixando o borralho, na esperança de que, embora continue ardente, sob controlo não incendiará.
Um dia, Alguém, que me conhece bem, acusou-me de ser resistente às mudanças. Não foi muito agradável admitir que tinha alguma razão, principalmente porque mudança é sinónimo de desenvolvimento, só se cresce mudando, e admiti-lo gerou-me um conflito interior face ao meu desejo perene de evoluir como pessoa. Mas a verdade é que não me predisponho com muita satisfação a mudar, porque mudar pressupõe incerteza, desconhecimento, o que torna a mudança, por si só, penosa.
Tinhas razão, Amigo, mudar, por vezes, custa muito!
Já dizia uma Amiga minha que qualquer mudança, por muito desejada que seja, tem sempre a sua ressaca.
Mas aqui estou, a apresentar-me à mudança. E que mudança, meu Deus!...

"...
Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anónimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.

Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,
E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão..."

Mguel Torga

terça-feira, 12 de junho de 2007

Desassossego

Apanhou os bocados de vida que lhe sobraram do desalento, das sombras fez luz, despiu a alma e serviu-a numa bandeja de prata. Soltou as amarras, abriu o peito, deu-se sem nenhuma condição.
Acreditou que se estendesse a mão tocaria na felicidade, tão perto a sentia.
Uma luz divina fazia o seu enfoque no Ser sublime que criara. Não tinha espaço para dúvidas, via grandeza em tudo, tudo era perfeito, cada palavra, cada gesto.
Acreditou que o sol poderia voltar a brilhar, restituindo-lhe a luz da serenidade, e permitindo-lhe sonhar, outra vez, os deliciosos sonhos proibidos.
Mas a realidade persegue cada réstia de esperança...
A vida prosseguiu a sua caminhada imparável sem titubear. Impiedoso, o destino, com as suas voltas inesperadas, foi-lhe devolvendo a realidade que ousara rejeitar. Voltou a sentir o frio do silêncio, a inclemência da solidão acompanhada, os sonhos desvaneceram-se.
Outrora confiante, voltou a sentir-se povoada de dúvidas.
Porém, a distância descontrai, facilita a clarividência, ajuda a desfazer mistérios. E o mesmo vento que levava tristeza, lamentos e saudade, regressava murmurando verdades silenciadas, carregado de ilusões desfeitas.

"O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...
São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma."

Fernando Pessoa

Agora, ela sabe que é tempo de secar as lágrimas, pespegar com aquele sorriso nos lábios - esse mesmo, o que forma uma covinha em cada bochecha - olhar em frente e prosseguir caminho, porque há mais vida para lá dos sonhos.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Saudade

saudade s. f.,
lembrança triste e suave de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de as tornar a ver ou a possuir;

Não é minha intenção transcrever o dicionário de português, fui, apenas, certificar-me da definição correcta para esta nostalgia, este desconforto que teimosamente me acompanham.
Descobri que "saudade" quer dizer, dor intensa no peito, vontade indómita de voar para ao pé de quem se deseja;
Saudade significa, ainda, um nome, um sorriso, um olhar, uma fragrância, o som de uma voz, o sussurro de um respirar, rumor de passos;
Saudade quer dizer, também, dor da separação, tempo infinito que medeia entre uma partida e um regresso, desassossego;
Saudade, define algo que um dia foi vivido em comum;
Mas, saudade pode ainda significar silêncio, dias intermináveis sem notícias, sentimentos entorpecidos, esquecimento;
Hum!... Pensando melhor, saudade quer dizer, débil despertar dos baixios duma ilusão, resquícios de um sonho;
Saudade!? Eu sei lá!... Até para um dicionário é pretensioso querer defini-la! Há-de sempre variar de cor, intensidade e tamanho, conforme o peito que habitar e a razão que a fez nascer.

"Saudades! Sim... talvez... e porque não?..."
Florbela Espanca

sábado, 2 de junho de 2007

Pelos caminhos da emoção...

Sem propriedade, mas com o direito que me é conferido enquanto ser pensante, arrisco-me a fazer uma breve incursão pelos sinuosos caminhos da emoção.
É pacífico que o ser humano tem na sua génese muito mais emoção do que razão. Ocorre-me fazer esta reflexão por verificar que, cada vez mais, se estão a generalizar as técnicas, desde as mais ancestrais às mais modernas, para controlar as emoções, numa nítida negação à partilha dos sentimentos espontâneos. Como resultado, as pessoas transformam-se em criaturas amorfas, sem alma, com um sorriso amarelo sempre pronto a disparar, exibindo uma felicidade feita por medida. Seres programados, que falam baixinho e nunca perdem a calma, que se furtam aos sentimentos, no mais puro exercício de egoísmo, iludindo-se a si próprios e aos outros de que, assim, pacificam as suas existências e as dos que os rodeiam. Não tenho dúvidas de que o controlo das emoções que promova a paz da humanidade, ajude a eliminar ódios e a acabar com as guerras, é bem-vindo e só tem que ser aplaudido, mas quando esse controlo significa recusa da partilha de sentimentos, é a clara rejeição à maior parte das características que elevaram o homem à categoria de Homo Sapiens.
Daniel Goleman afirma, no seu livro Inteligência Emocional, que:

"Fomos demasiado longe na ênfase que damos ao valor e importância do puramente racional - aquilo que o QI mede - na vida humana. Para o melhor e para o pior, a inteligência pode não ter o mínimo valor quando as emoções falam."

Na mesma obra o autor cita Erasmo de Roterdão, que numa veia satírica escreveu:

"Para que a vida humana não fosse totalmente triste e enfadonha, Júpiter concedeu-lhes muito mais paixões do que razão (...) A razão apenas consegue gritar, até enrouquecer, as leis da honestidade. É rainha de quem os homens troçam e injuriam até que, cansada, se cala e se confessa vencida."

Já Eugen Drewermann, no seu livro, A Angústia e a Culpa, refere que:

[... “bastaria” ensinar o outro a sonhar sem fingimento e a falar de si próprio com mais sinceridade, sem censura ou intervenção alheia, para o ajudar a reencontrar-se]

Diz ainda este Autor, nesta mesma obra, que:

“... há uma enorme dissociação entre uma vida pública que não é a vida própria e uma vida própria que anda à deriva fora da realidade, num mundo interior ilusório de sonhos e de anseios não vividos.”

Daqui se infere que coarctar as emoções negando os mais genuínos sentimentos é uma fuga à realidade, e fugir nunca será a solução para nenhum problema.