domingo, 27 de maio de 2007

Do alto da minha inquietude...

Caminho com passos firmes e decididos em direcção à quietude que persigo... Levo comigo um punhado de ilusões desfeitas e uma mão-cheia de cinzas do fogo que me esforço por extinguir. Tento libertar-me das grilhetas que me mantêm cativa, evadir-me do claustro dos sentimentos. Ouso vislumbrar a libertação da alma.
No crepúsculo do desassossego agitam-se sombras que esperam, pacientemente, o alvorecer para se devanecerem, como a folha caída, inconformada com a sua sorte, espera que sopre a brisa para ganhar força e voltar a elevar-se.

"...

Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida verdade, o Sentimento!
- E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso d’alto pensamento,
E puro como um ritmo d’oração!
-E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento!...

São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!”

Florbela Espanca

terça-feira, 22 de maio de 2007

No limbo da tua memória...

Daquela menina de tez trigueirinha, com uns olhos de amêndoa e duas tranças negras a esvoaçar ao vento, que transportava consigo o aroma de flores e o sabor a sal da sua ilha, enquanto acreditava em fadas e duendes e a quem o pai, carinhosamente, chamava "a minha Preta pequenina", sobra apenas um coração em farrapos num corpo de sofrimento.
Mas a vida, impiedosa, não nos permite que fiquemos a lamber a nossas próprias feridas, obriga-nos a ter espírito combativo e lutador, impõe-nos coragem. Exige de nós a força que é preciso para dizer não quando se deseja dizer sim e a determinação que faz falta para virar as costas ao que mais se ama.
Não obstante, a vida permite que guardemos, como coisa sagrada, os doces momentos que matizaram a nossa existência, sem deixar de nos torturar com flashes de memória que desejaríamos apagar para sempre.

.../...

"Rasga esses versos que eu te fiz, ...!
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!

Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada de um momento!
..."

Florbela Espanca

.../...

Guarda-me no limbo da tua memória, já que não consegui conquistar uma posição na estante das tuas boas recordações e sinto que, também, não mereço um lugar no dossier do teu esquecimento.
Não te peço uma flor, uma oração, uma lágrima ou um sorriso, peço-te, apenas, que me devolvas a paz que preciso para continuar a suportar o resto do caminho que ainda me falta.

domingo, 20 de maio de 2007

Viagem ao País do Silêncio

Coordenadas: Latitude 22º Norte; Longitude 113º Leste
Clima: Subtropical húmido
Temperatura média anual 22º C
Área geográfica: Pouco mais que nada
Forma de lá chegar: De avião e barco

No país do silêncio onde...

“Floriram por engano as rosas bravas
No Inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?

Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que um momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!

E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...

Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze – quanta flor! – do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?”

Camilo Pessanha


... paulatinamente, vais deixando, numa mistura feita de bocados de alma e de corpo, fragmentos de uma vida que não é a tua!

terça-feira, 15 de maio de 2007

O Amor é intemporal!

Quem acredita que já se disse tudo sobre o Amor, desengane-se. Apesar dos incontáveis rios de tinta gastos a escrever sobre este tema, das inúmeras curtas e longas metragens que têm transportado para a tela relatos que variam entre a ficção e a realidade sobre o Amor, porque cada ser humano é único, logo, tem a sua forma própria de sentir, há-de haver sempre algo de novo a dizer sobre este sentimento. É com base nesta premissa que, hoje, me permito dissertar um pouco sobre o Amor.
Começarei por citar Florbela Espanca, a Poetisa que, com inexcedível sensibilidade, através dos seus sonetos, elevou o Amor à sublimação.

"Ama-se quem se ama e não quem se quer amar."

Tentar fugir a um Amor considerado intempestivo é encetar um processo de puro masoquismo cujo êxito será comprovado pelas marcas que o seu autor transportará vida fora. Ninguém passa por um grande Amor sem deixar pelo caminho bocados de vida.
O Amor não é dócil, é um anarquista rebelde que não escolhe sítio para morar; é-lhe indiferente a raça, a condição, a idade ou o estado do seu habitat, o importante é que se sinta confortável.
Se acredito que isto é verdade, estou igualmente convencida que há corações onde o Amor nunca morou, não pelo menos aquele Amor que nos leva a fundir corpo e alma, como se espírito e matéria fossem um só. Seres que pouco sabem do Amor, que quando se cruzam com este sentimento acreditam que podem ajusta-lo à medida dos seus desejos ou das suas conveniências. O Amor consome-nos inevitavelmente, mas passar pela vida sem nunca ter oscilado entre o limiar da loucura e o êxtase divino a que o Amor nos conduz é ir-se embora com uma existência incompleta.
O Amor é um sentimento poderoso, com extrema facilidade transforma os corações.
Aos que encontra em estado letárgico, acicata-os e ensina-lhes a arte de amar.
Àqueles que vivem prisioneiros da amargura, submersos em revolta, suaviza-os.
Aos que são vítimas de si próprios por se terem entregue à sedução de um amor incapaz de compreender a grandeza deste sentimento, dá-lhes o alívio da certeza que, com efeito, o Amor é intemporal, mas não é imutável!

"...

É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés d'alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

(...)

A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...

Amar-te a vida inteira eu não podia...
A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a vida!... "

Florbela Espanca

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Como música para o coração...

À pergunta: A amizade tem fronteiras? A resposta imediata é:
Não! Claro que não!!!
Efectivamente, a amizade não tem limitações de natureza geográfica.
Não pode ter!... Se a distância afecta a amizade, então, estamos em presença de outro sentimento qualquer ao qual alguém resolveu chamar amizade.

Ela espera, com a paciência que só os fortes sentimentos transmitem...

- "Sim?!..."

Sonha com a sua voz doce e suave do outro lado da linha, como se fosse a voz dum Anjo vindo do céu para pacificar a sua existência. Subitamente vem-lhe à memória a ternura de uma frase ouvida noutra altura:

"... parece que liguei para o céu e um anjo atendeu-me o telefone!"

É tão doce a melodia daquela voz, aroma de flores que lhe roça o ouvido numa carícia, em contraste com o silêncio perturbante que lhe corrompe o coração e a faz sofrer impiedosamente.
Sente a alma gelada, apetece-lhe gritar até perder os sentidos, fugir deste mundo louco que a tortura.
Tinha esperneado, protestado, jurado pelas alminhas que desta vez é que era...
Como é benevolente o amor que tudo esquece, tudo perdoa!
Aquela voz de água cristalina, resgata-a à inquietação, lava-lhe a alma, alimenta-lhe o espírito. No seu imaginário, saboreia, lentamente, o som daquela voz como se fosse um cântico divino; beija cada palavra com emoção. Uma sucessão de imagens devolve-lhe à lembrança os seus bens mais preciosos: um sorriso doce, um olhar de pedra preciosa, gestos ternos. Deseja reconciliar-se com o mundo, amar como se nunca tivesse sido magoada.
Mas, - Ó inexorável certeza! - um arrepio visceral devolve-a à realidade e duas gotas de prata rolam-lhe pela face como se o coração quisesse fazer a sua drenagem através dos olhos. Lembrou-se que, afinal, o seu mais fiel e inseparável amigo é, sem sombra de dúvidas, o implacável silêncio.

domingo, 6 de maio de 2007

Um retalho de vida

Não obstante Dezembro ser um mês de Inverno, o sol marcava a sua presença, tornando o dia acolhedor, o que, aliás, é frequente numa ilha que nasceu sob a protecção da natureza, em que os invernos são suaves e os verões brandos, como se as estações intercalares servissem apenas para temperar o clima.
Já decorria a azáfama dos preparativos para o Natal que se aproximava. Ela continuava a trabalhar, prolongando o período da manhã, enquanto esperava companhia para almoçar.
O toque suave na porta fê-la levantar-se da secretária, deixando para trás anos a fio de tranquila apatia sentimental.
Pressentindo que a mudança lhe seria penosa estrebuchou, tentando resistir-lhe, mas...

Chegaste como a aurora, pela manhã,
Pousaste levemente, de mansinho,
Com a leveza e doçura que te caracterizam.
Não pediste licença, entraste,
Qual alcova nupcial pronta a receber-te,
E de forma indelével deixaste a tua marca.
Com a mesma serenidade com que apareceste
Foste-te esgueirando paulatinamente,
Sem te aperceberes que os campos
Outrora áridos e agrestes,
Eram agora planícies ardentes, sedentas de ternura,
Espezinhadas por um sentimento amordaçado.
O sol que a aurora prometera não chegou,
Em seu lugar veio a tempestade angustiante,
A ansiedade, o vazio do afastamento,
A fazerem jus ao Dezembro frio e chuvoso
Que te trouxe de outra estação, porventura mais bonita!

Do dicionário para o seu coração, saltaram alguns vocábulos que nunca mais a abandonaram: "amor”, “entrega”, “ausência”, “sofrimento”...
Os seus dias passaram a ser vividos em ansiedade, como se os ponteiros do relógio tivessem trocado de lugar e o dos minutos se deslocasse à velocidade do das horas, tal era a expectativa.
Mas, a vida nas suas voltas, por vezes, devolve-nos às origens, recolhe os nossos cacos e cola-os, sabendo que, por mais perfeito que seja o trabalho, as cicatrizes não se apagarão nunca.
Entretanto, noutros locais, noutras portas, o mesmo toque suave continuará a abrir outros corações que ficarão desarrumados ou não, sendo certo que para se estar bem, afinal, só é preciso ter da vida um sentido prático!

Inauguração do Blog

Destinado a todos e a ninguém, decorrido mais de um ano após ter criado este Blog, eis que me disponho a proceder à cerimónia inaugural do dito cujo.
Desde que aprendi as primeiras letras, percebi que na escrita estava o meu maior confidente, o amigo sempre disponível para me ouvir, o meio de aliviar a alma e desentupir o coração sem pressas nem nervosismos. De tal forma que a minha amiga Escrita já me ouviu em confidência vezes incontáveis, embora de há algum tempo para cá, acredito, esteja a aproximar-me dos limites da sua paciência, pois que as últimas confidências que lhe venho fazendo já somam mais de duas centenas de páginas. Mas é exactamente aqui que a nossa amiga Escrita se distingue dos nossos outros amigos, é que ela nunca se impacienta connosco nem nunca lhe falta o tempo para nos ouvir.
Mas este sítio não se destinará, seguramente, às minhas confidências, terá a missão, já que existe, de me permitir emitir opinião e tecer considerações acerca dos mais variados temas e assuntos, sempre que eu puder e achar oportuno, sendo que o meu compromisso de como e quando é comigo mesma.
Se me exponho em público, obviamente, conto que me leiam e me critiquem, o que será sempre bem vindo, por ser um sinal de interesse; no entanto, não darei boleia à publicidade orfã, por não ser este o sítio indicado para esse efeito.